Algures no filme "Virgem aos 40 Anos", a personagem de Paul Rudd, ao ver imagens de Identidade Desconhecida, o primeiro da até agora trilogia Bourne, apresenta esta tirada:
"Y'know, I always thought that Matt Damon was like a Streisand, but he's rocking the shit in this one!".
Muitos concordarão decerto com esta constatação. Antes da chegada de Jason Bourne aos cinemas, Matt Damon era o franganote frágil e pseudo-sensível de O Bom Rebelde e o soldado Ryan de que meio mundo andou à procura. É certo que em Dogma de Kevin Smith a coisa começou a endireitar-se, talvez um pouco antes, mas a verdade é que até à estreia de Identidade Desconhecida o homem sofreu do mesmo síndrome que Di Caprio, visto que a cara de rapazinho assustado não lhe dava grande protagonismo.
Di Caprio conheceu Scorsese e Damon foi apresentado a Jason Bourne, pelo que as coisas começaram a mudar. Bem sei que ainda não conquistou toda a gente, o que será dificil, mas pelo menos neste momento já se apresenta como assassino credível, como neste caso, o que seria impossível antes de Bourne.
Diz o crítico de cinema João Lopes,
na sua crónica no DN , que "Jason Bourne não tem estatura nem classe para se tornar no "novo" 007". Pergunto eu a João Lopes, com todo o respeito, se terá visto este filme ou algum dos anteriores. Sinceramente não me parece que tenha apreendido a essência deste anti-herói numa época de anti-heróis. Eu próprio não li a/as obras de Robert Ludlum, portanto estou longe de saber como seria a personagem no papel. Ainda assim não será arriscado dizer que Jason Bourne está tão longe de James Bond como os Sex Pistols estão dos Beatles.
Não creio que fosse intenção de Paul Greengrass ou melhor, de Matt Damon, criar o novo Bond, como herói estereotipado que luta contra o mal, fica com a gaja boa e à noitinha vai emborcar martinis à força toda para o bar de um casino ou
resort qualquer. Compreendo que João Lopes queira insinuar que Bourne não tem estofo para ser o herói cinemático da juventude, mas a comparação é de tal modo ridícula que surpreende, vinda de quem vem, ou se calhar não, dependendo da perspectiva.
O forte da história de Bourne sempre foram as cenas de luta e as perseguições, pelo que desta vez somos premiados com mais festivais de porrada e armas improvisadas no momento. De facto, cada vez que vejo uma cena de luta em qualquer dos três filmes vem-me sempre à memória o Vincent de Tom Cruise em Colateral, pelo estilo frio, automatizado e eficiente de resolver os conflitos físicos. Mas esperam lá, antes de Vincent já havia Jason, pelo que a premissa em si está errada, ainda que as duas personagens tenham mais que muito em comum.
Enfim, este "Ultimato" não destoa dos antecessores "Identidade Desconhecida" e "Supremacia", constituindo um bom filme de acção, num ano em que a coisa tem andado fraquita no género.
No fundo, a única espinha que me ficou atravessada na garganta não foram nem o suposto modo abrupto/nervoso com que Greengrass dotou a película (para quem está habituado mal se nota meus amigos, e isto vindo dum tipo que fica enjoado só de estar sentado), nem os buracos narrativos, se é que podemos ser picuinhas. O problema principal prende-se com o facto do final do filme ter deixado a porta aberta para outra sequela.
Não me levem a mal, eu gosto da personagem e dos filmes, mas estará este mundo tão mal de criatividade para termos que levar com mais de dez
franchises por ano nos cinemas? Será que ninguém aprendeu nada com o Rocky V? É retórica, escusam de responder.